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Sobre o Casamento e a Maternidade (parte 2)

Ui... agora é que o caso se torna mais grave...
Se escolher não casar já causa celeumas diversas, escolher não ter filhos eleva as discussões a um nível mais profundo. Luta pelo direito a frequentar os mesmos espaços que os homens, luta pelo direito ao voto, luta pela igualdade de direitos e condições de trabalho, luta, inclusive, pelo direito de poder escolher continuar ou terminar uma gravidez, mas e então a luta pelo direito de escolher não ter filhos sem sofrer represálias sociais ou familiares? É sobre essa que falamos hoje.

A sociedade programa as mulheres para viverem no limbo entre a emancipação e a tradição. Exige de nós que sejamos suficientemente independentes para alimentarmos a economia, ao mesmo tempo que exige que continuemos a ser as principais cuidadoras do lar e das crianças. Mulher que cuida da casa e do marido é quadrada, antiquada, mas mulher que não passa a ferro e não cozinha é quase inútil. Mulher que trabalha muito é má mãe, mulher que não trabalha é preguiçosa ou dondoca. E assim vivem as mulheres, entre Cinderela, Gata Borralheira e Madrasta Má, sempre a satisfazer as necessidades desse grande Outro que é a sociedade.

Existem, então, mulheres que decidem quebrar o ciclo pela raiz e optam por não iniciar uma família tradicional e não ter filhos. São estas mulheres que lidam constantemente com as dicas do "ah, mas isso é agora, espera até o relógio biológico começar a tocar" entre outras. Por essas mulheres que escolhem este caminho, vamos aqui abater alguns mitos:

1 - As mulheres que escolhem não ter filhos não gostam de crianças.

Errado. Ou certo. Há mulheres que adoram crianças. São boas tias, boas madrinhas, boas amas para os filhos dos amigos, apenas escolhem não ter filhos porque nunca fez parte dos seus planos pessoais ou porque não sentem essa necessidade, ou então porque encaram a maternidade como um ato de tal responsabilidade que não a querem assumir levemente. Outras realmente não sentem qualquer instinto maternal, não têm paciência, não se imaginam grávidas ou a cuidar de uma criança e estão no seu direito. Não são menos mulheres por isso, no máximo são mais Mulher por assumirem que assim são em vez de ter um filho apenas porque sim.

2 - As mulheres que escolhem não ter filhos não amam os maridos.

Errado. Amam tanto como as que têm filhos, a questão é que um marido, um namorado, um companheiro, é alguém que escolhemos ter na nossa vida mas nunca deverá ser alguém que nos defina em algo tão essencial como a maternidade. Se uma relação positiva, saudável, estável, respeitosa, pode levar uma mulher a querer ter um filho? Sim, claro, mas também pode bastar para se ser feliz, se for a relação que completa o casal. O amor nasce da aceitação... mas garanto, não serve de nada ao homem esperar 40 anos na fé que a mulher mude de ideias para depois cobrar os filhos que não teve... e vice versa.

3 - As mulheres que escolhem não ter filhos têm traumas de infância. 

Errado. Ou certo. Traumas de infância todos temos, a questão é se queremos ou não perpétua-los. Há quem escolha não ter filhos apenas porque não quer, não apetece, não tem pachorra, nunca sonhou. Mas também há quem escolha não ter filhos por sentir que a sua infância não é algo que se deva repetir e que um filho não nasce para arcar com as culpas dos pais e muito menos nasce para preencher vazios. Se todas as mulheres fizessem uma análise profunda das suas motivações para serem mães muito se conquistaria pelo bem estar das crianças deste mundo. 

4 - As mulheres que escolhem não ter filhos vão arrepender-se um dia mais tarde.

Talvez sim, talvez não. Tanto como tantas mulheres que têm filhos intimamente se arrependem de os ter tido. Não sempre, mas certamente em momentos. Sendo uma escolha, assume-se sem saber ao certo se um dia nos vamos arrepender porque o futuro não se advinha, vive-se. No entanto, se a escolha partir de um sentimento profundo de querer seguir um caminho diferente do da convencional família nuclear, se é algo constante e permanente, acredito que seja um arrependimento menor do que ir contra os nossos valores. 

As mulheres não são iogurtes. As nossas escolhas não deverão ser limitadas pela validade dos nossos óvulos. Não ficamos fora de prazo e a pressa sempre foi inimiga das boas escolhas, assim, o tempo nunca deverá ser fator preponderante numa decisão tão importante como ter um filho. Muito menos o deverá ser a solidão ou a tentativa de salvar uma relação amorosa, tal como não deve ser um item de uma lista onde queremos por um   . Enquanto a sociedade continuar a encarar a maternidade como uma obrigação, continuaremos a ter crianças vítimas das frustrações dos adultos, a carregar aos ombros os sonhos incumpridos dos pais, o seu cansaço e as suas desilusões. 

Resta-me a fé que a maioria das mulheres sejam mães porque querem, porque no seu íntimo não poderia ser de outra forma... mas se assim não for, então que sejamos livres para dizer "não quero ter filhos" sem que isso se torne um estigma (mais um) contra a liberdade feminina. Ser Mulher devia ser o bastante e se não o é algo tem de mudar para que o seja, para que o que daí advir seja pleno e bom na sua essência.






Comentários

  1. É isso tudo sem tirar nem pôr.
    E quando as mulheres se julgam umas às outras, então, é que a porca torce o rabo. É como se não quisessem seguir sozinhas no caminho que escolheram - têm de trocar fotos de gracinhas, histórias de vómitos e de estrias, partilhar a forma que não conseguiram recuperar ou as viagens que deixaram de fazer - como se, se seguíssemos esse caminho, o delas fosse menos mau.
    As mulheres não se deviam julgar, não se deviam sentir superiores, não deviam dizer coisas como "não sabes porque não és mãe", "vais-te arrepender", "vais morrer sozinha", "quando quiseres é tarde", gerando uma pressão constante que faz com que te sintas sempre errada.
    A mim também me apetecia dizer-lhes para fecharem as pernas, que o mundo tem gente a mais, que estão a criar uma geração que não vai ter que comer, que estão a contribuir para o aquecimento global, ou simplesmente que as suas crias são feias, desengraçadas e irritantes, para não as trazerem para o trabalho, faz favor, que eu não tenho de aturar os frutos do vosso ventre.
    Faz muita confusão às pessoas respeitarem as decisões dos outros.

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    1. Síndrome Rebanho de Ovelha... é poderoso. Às vezes parece que a maternidade é uma religião, estão sempre a tentar converter uma pessoa... mas ao mesmo tempo queixam-se que metade basta. Compreendo que seja bonito ser mãe, mas cá está...acho imensas coisas bonitas mas isso não quer dizer que as queira levar para casa. Mas o que também me irrita são aquelas pessoas que depois de saberem isto, se por acaso eu dou um sorriso a uma criança (coisa rara porque tendo a evitar os gritos dos rebentos) lançam logo o veneno "ah mas tu não gostas de crianças" como se eu andasse atrás dos pequenos com um pau para lhes bater. Lá porque não as quero para mim não quer dizer que as odeie. Gente.

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  2. Ora cá estou, e que bom post logo para começar! Pois bem, eu sou uma mulher com 39 anos e, pasme-se, não sou mãe. Pior ainda, sou divorciada! Vá, crucifiquem-me :p

    Não gosto de crianças? Sou uma tia mais que babada e regra geral, não posso dizer que não gosto. Assumo que birras são coisa que me incomoda, mas há quem aprecie isso? Ok, talvez, sempre ouvi dizer que havia maluquinhos para tudo...

    Não amo o meu gajo? Eeerrr, eu acho que sim, mas independentemente do que sinto por ele, as decisões sobre a minha vida são tomadas em função do que eu sinto e do que eu quero. Parece egoísta? Se calhar é, mas gajos vão e vêm, as minhas decisões sou eu que vivo com elas e mais ainda, filhos são para sempre. Estar a pô-los no mundo para os deixar depois sem educação, nem ter paciência para os aturar? Seria incapaz, e era tão melhor se quem o faz também tivesse pensado duas vezes...

    Traumas de infância? Nop. Nada significativo, pelo menos. Pelo contrário, a única coisa que às vezes me deixa a pensar é o facto de não poder passar os valores e a educação que me foi dada a novos seres humanos. Somos muitos, é verdade, mas ultimamente parece que se nota cada vez mais que quantidade não é sinónimo de qualidade... o que me leva aos últimos pontos, o do arrepender e do prazo de validade.

    Biologicamente até pode chegar uma altura em que deixa de ser possível (se bem que com os avanços da medicina, não sei não...), mas e depois? Se quisermos realmente, há sempre maneira. A adopção é uma delas. Se o que queremos é um ser para amar e educar à nossa semelhança, podemos fazê-lo. Sem prazos de validade e sem aumentar a sobre-população do mundo.

    Mas isto sou eu. A minha vida. As minhas escolhas. Por acaso nunca fui alvo de grande pressão da sociedade. Ou, pelo menos, nunca a senti em força. Se calhar porque quando era mais "nova" fui escudada pelo doutoramento (ter um filho era um desperdício da minha inteligência superior, claro!) e agora sou escudada pela idade. É engraçado como as pessoas se retraem de dizer alguma coisa sobre isso quando estás quase nos 40... devem começar a acreditar que és estéril e, portanto, é um assunto sensível. Claro que também pode ser por saberem que levavam uma resposta muito torta se me viessem com essa tentativa de doutrinação... a minha paciência para essas coisas não é muito grande, não. E pronto, se já não me tivessem crucificado ali em cima, era agora outra vez :D

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    1. Antes de mais… CLAP CLAP CLAP CLAP CLAP ( imagina-me a bater palmas em pé). A palavra chave é mesmo "escolhas", são tópicos que deviam derivar disso mesmo e não de obrigações, pressões e outros "ões". Muito orgulho em conhecer alguém (que não conheço) a falar assim, não que seja novidade para mim… Sempre pressenti que eras uma mulher com M.

      Não sei se vens de uma localidade pequena, coisa que eu e a Dream partilhamos e acredito que isso também pese na balança... E quanto à adoção… nem sei dizer quantas vezes já tive essa conversa e concordo e sublinho. Poderia até ter acrescentado essa alínea muito importante. De resto tudo se sublinha no teu muito bem vindo comentário.

      By the way… nunca tinha pensado na questão da idade como fator de tornar o "assunto sensível" a comentários maldosos… Será mesmo possível que pensem que uma mulher é estéril só porque não tem filhos aos 40? :| isso seria ainda mais uma alínea. Estou a ver que este texto vai ter de ser revisto ao longo dos anos :P

      E não te preocupes… aqui, se houver crucificação, tem de ser uma coisa em grande.. tipo Carnaval de Torres Vedras...assim todas em linha, logo às dúzias. Ninguém está para se dar ao trabalho :P


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